quarta-feira, 3 de maio de 2017

Quanto mais me garanto, menos eu sei

A cultura indiana é tão rica e tão complexa que ninguém consegue ter a mesma visão sobre ela. Você já deve ter lido inúmeras histórias sobre a Índia, e com elas incontáveis opiniões sobre o assunto. Mas você que tem curiosidade e se identifica com a cultura deve ter percebido, é que cada pessoa tem uma experiência diferente para contar. A cultura indiana muda muito de uma região para a outra. Muita coisa varia de acordo com a casta, religião, localização, classe social. Costumes praticados por famílias de determinados vilarejos não são praticados por famílias da cidade. Nada do que escrevo aqui é regra, mas é uma forma de entender que cada pessoa tem uma visão diferente.

O perfil de cada pessoa determina a experiência que ela transmite. Uma turista sozinha, mochileira, vivencia  aventuras e descobertas diferentes de uma mulher casada na Índia. Da mesma forma que uma mulher casada, descobre o íntimo da cultura no ambiente familiar, transmitirá outro tipo de experiência que a mochileira não teve. Eu por exemplo, escrevo meu ponto de vista na condição de casada, pois as experiências que tive dentro da cultura tem sido dentro do casamento. Não tive a experiência de viajar para a Índia sozinha e viver lá como solteira. A pessoa pode ficar na casa de família indiana, mas se ela é solteira, acredite, a estadia é bem diferente. A mulher casada tem os afazeres domésticos, o chai para as visitas, as formalidades, etc. Não estou falando 3 meses de casada, quando ainda não te deixam fazer nada como uma esposa de marajá. Estou falando da vida normal, do dia-a-dia.

Na Índia, sem dúvidas, o status marital é condição na vida da pessoa. Ser casado na Índia te proporciona um posto com direitos e obrigações diferentes aos de solteiro. A pessoa casada tem um papel a cumprir na sociedade indiana e um "protocolo" a seguir. 

Darei um exemplo, em alguns vilarejos é muito comum a mulher depois de casada fazer o uso do Ghoonghat, que é cobrir a cabeça ou o rosto com o véu na presença dos homens mais velhos incluindo o marido. É uma forma de cobrir o olhar para mostrar respeito. Algumas ocidentais já passaram por essa experiência https://foreignindianwife.com/2015/09/16/the-ghoonghat-chronicles-part-1/#more-34  
Para mim isso serviu de conhecimento mas não me preocupei com esse detalhe porque não é costume da minha família. 


É claro que uma turista não precisa se preocupar com tantos detalhes e experiências, mas uma pessoa casada provavelmente seguirá esse costume se for proveniente do vilarejo onde mora. Devo eu dizer que isso é exagero só por que eu não preciso usar? Claro que não! Essa foi a experiência de outra pessoa e para ela é assim que a banda toca. Vale lembrar que na cultura indiana, os sogros (tentam) ou exercem certo poder sobre as regras da casa, estando eles certos ou não. Cada região tem um jeito e um comportamento e cada comportamento é de acordo com a condição que a pessoa se encontra.

Eu, por exemplo, não uso o namaste.  O cumprimento é o  Sat sri akaal . Algumas pessoas vão para a Índia mas voltam sem saber o que é sat sri akaal. Isso é um exemplo da diversidade da Índia.

Se você for em grandes cidades como Delhi, o comportamento dos homens e mulheres será mais "ocidentalizado" do que os indianos do Rajastão,  por exemplo, onde é um Estado tradicional. Se você visitar um vilarejo, mesmo eles sendo conhecidos por serem extrovertidos, alegres, comunicativos verá que respeito se demonstra até com o olhar:  dificilmente um rapaz ficará olho no olho confortavelmente com você sabendo que você é casada principalmente se ele for mais novo do que o seu marido. Então mais uma vez, tudo muda de acordo com o costume de cada lugar.

A hierarquia é de acordo com a idade e posição   como  vemos os anciãos, sogros, marido, cunhados, líderes religiosos, professores, entre outros. Hierarquia está  presente no dia a dia indiano. Você representa o nome da sua família e os indianos se importam muito com o que os outros pensam e falam. Quando você passa a ser bhabi (cunhada/casada) você tem uma experiência hierárquica no ambiente familiar e social de acordo com costumes que solteira você não teria. Por isso não dá para comparar o que cada pessoa vive. 

Depois de anos cheguei à conclusão de que a experiência entre uma turista solteira e uma mulher casada são diferentes. Ambas poderão viver ao máximo a cultura, mas terão opiniões e experiências diferentes. O casamento para muitos indianos é o marco onde o "protocolo" passa a ser seguido enquanto a turista não tem tanta coisa para se preocupar além das roupas e companhia de estranhos. A turista pode usufruir outro tipo de experiência.

Aquilo que eu vivo, só eu vivo. E aquilo que você vive, só você vive. Certo? Por isso trocar experiências é sempre bom mas manter humildade é melhor ainda. Eu percebi que quanto mais eu acho que sei..menos eu sei. O foco do blog é o lado tradicional, o lado desi da Índia pois é o que eu vivo. Não falo de Nova Delhi, por exemplo. Gosto de relatar aquilo que é diferente para nós, aquilo que eu tenho contato. E só para constar, quando falo tradicional, não estou dizendo atrasado. A Índia não é atrasada. São coisas completamente diferentes. Mesmo modernos eles não esquecem as tradições. Isso é possível? Para indianos tudo é possível. Se não existisse nada de diferente,  se nada me surpreendesse, se nada fosse incredible eu não teria razão para escrever. Sabe que eu nem sei por que estou escrevendo sobre isso? Acho que os dias de meditação surtiram efeito, voltei  mais inspirada.

Abraços e até mais!!


2 comentários:

  1. Perfeita descrição Star... como alguém que estuda humildemente sobre a Índia e conversa com indianos há 7 anos, ainda assim não me julgo apta para falar sobre cultura indiana como se fosse uma expert; sempre que me perguntam algo eu releio meus arquivos, volto a conversar com pessoas da determinada região, atualizo minhas informações, fico conectada com as mídias indianas, etc, para ter certeza do que estou falando. Enquanto isso vejo muitas criaturas estranhas que, depois de viajarem para a India por 2 semanas, chegam despejando um esgoto de pensamentos deterministas e estereotipados, daqueles de fazer o bumbum sentir inveja da boca. Pior ainda os que resolvem escrever blogs de desinformação. Meu ex namorado é de Jaipur, e mesmo ele levando uma vida mais ocidental por ter morado no Brasil e no Canadá, ainda assim seus pais não aceitavam bem que ele me namorasse. Para eles o namoro era uma coisa quase imoral, eles eram gentis comigo mas falavam na minha cara que preferiam arranjar uma noiva indiana para o Naresh. Enquanto isso eu tenho uma amiga de Bangalore, hindu, e que namora um cristão. Até usa vestidos um pouco curtos. Além disso, é como você disse, a experiência e olhar de cada um é unico, seu blog é tão gostoso de ler justamente por ter essa pegada mais pessoal
    do que didática, e você sempre tem a ética de passar as informações com responsabilidade, deixando claro que é a sua vivência, e não uma regra geral. Generalização é o típico sintoma dessa doença terrível que é a ignorância. A Índia é um universo vasto do qual eu sinto que não explorei nem 10%. Um oceano de pluralidade, cores, sabores, costumes, visões e contextos diversos. Um oceano onde a maioria das pessoas admira de longe mas só vai até onde dá pé, até onde é confortável e não dá trabalho.

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  2. Falou tudo Star,

    realmente é diferente "walk in another person's shoes" as experiências variam de Estado pra Estado, tradição para tradição e o grau de hierarquia que você tem dentro da sociedade Indiana. Se aqui no Brasil as coisas podem ser bem diferentes dependendo da região imagina na Índia? Experiências são únicas e nossos blogs são apenas um pequeno espectro dentro da vasta pluralidade da vida.

    Beijos&Abraços,

    Leticya.

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